domingo, 25 de agosto de 2024

Eu não sou um homem, mas então, por que as pessoas me enxergam como um?

Será que se eu fosse um homem minha vida seria mais fácil

Bom, como vocês pode ver, eu claramente não sou um homem, muito pelo contrário, sou uma menina cis muito feminina e tá tudo bem. Mas então... Por que me tratam tão mal, e o que isso tem haver com lesbianidade? 

Essa é mais uma história que aconteceu enquanto eu estava na escola e nessa época eu definitivamente não tinha as melhores amizades, era o que dava pra ter se eu não quisesse ficar mais um ano escolar completamente reclusa - depois de 1 ano e meio assim eu estava implorando por qualquer coisa, e obtive esse qualquer coisa. Aliás... Qualquer merda né, porque esse é o único jeito que eu consigo descrever essa situação. A escola me proporcionou grandes experiências como uma menina lésbica e apesar de escrever elas aqui quase que de um jeito cômico, é horrível saber que isso pode acontecer com qualquer um de nós, e pior ainda é saber que é você por você pois a escola não vai te ajudar.

O ano era 2016, 8º ano. Eu tinha acabado de conhecer um grande grupo de meninas, éramos em 8, e nunca tinha sentido o que era ter amizades de verdade até esse ano, ainda mais fazendo parte de um grupo maior que dupla ou trio, na minha cabeça isso era incrível. A pequena Sarah de 14 anos estava extasiada com a possibilidade de no novo ano letivo ir melhor na escola e ter amigas, tudo que eu mais queria, meu maior sonho era ter amigas, independente de quantas fossem. 

Obs: hoje eu não to no mood de inventar nomes então vai com as iniciais das meninas :3

Terça feira, aula de educação física, toda a turma na quadra e as meninas estavam no canto batendo papo, jogando conversa fora, e como boa curiosa que sou, fui até tentar saber o que era, Sem sucesso. Eu me aproximo e elas se calam. Eu volto a andar pela quadra e elas voltam a falar. Novamente sem sucesso. Elas me olham torto, e de tanto eu insistir, acabam me contando. Festa na casa da B! Aniversário da D na casa da B! MINHA PRIMEIRA FESTA DO PIJAMA!

Caramba! Essa é a palavra, caramba. E pode ser interpretada tanto do jeito bom quanto do jeito ruim. Preciso começar dizendo que minha mãe foi um anjo na minha vida desde o inicio dessa história e seu instinto materno queria me proteger a todo custo, mas, as vontades excruciantes do meu eu adolescente falaram mais alto. Minha mãe nunca foi muito a favor de me deixar dormir na casa dos outros, por questões de segurança, mas dessa vez eu queria porque queria ir, precisava dessa experiência para criar memórias inesquecíveis com minhas amigas. 

D estava fazendo 13 anos e queria comemorar da melhor maneira possível. Filmes, bolo, amigas, música, bebidas alcóolicas, tudo que tinha direito. Esse era o nosso segredinho - literalmente, as instruções eram claras, pra ir na festa você precisa contribuir com 50 reais e não contar absolutamente nada para os seus pais. Mas e agora? Como eu ia convencer minha mãe disso? Bom, uma hora eu venceria ela pelo cansaço, e assim foi feito... Bom... Na verdade, só pude ir porque a menina que ia ceder a casa era neta de uma grande colega de trabalho de mamãe, não tinha como a menina ser uma babaca né? Não tinha como nenhuma delas serem babacas comigo né? NÉ? É... Tinha... Tinha sim... 

Nessa época eu tinha acabado de ganhar meu primeiro celular e com isso podia facilmente me juntar a grupos no Whatsapp, por isso criamos o confidentes; esse era nosso grupo de fofocas, onde falávamos sobre tudo e qualquer coisas, onde podíamos estender nossa amizade, onde eu podia guardar comigo um pedacinho de tudo que eu tinha de mais precioso até então. Com esse fato de que eu considerava todas essas meninas como amigas, acabei confiando, até demais, e contando num determinado dia pós escola que eu estava me descobrindo lésbica. O meu maior erro. No começo a conversa foi seguindo um caminho bem suave, tranquilo, todas nós tínhamos dúvidas e podíamos aprender umas com as outras, eu estava feliz de "ter encontrado" um porto seguro.

Lembram que eu disse do instinto materno ali em cima? Então, alguma coisa dentro da minha mãe não estava gostando dessa ideia, já tinha me instruído pra eu não aceitar beber absolutamente nada que colocassem no meu copo e que caso acontecesse qualquer coisa era só ligar que ela viria me buscar.

Chegando no famigerado dia da festa onde todas nós iriamos direto da escola para a casa de B, mamãe aparece com minha mala no carro, as meninas cumprimentam a gente, se estabelecem no carro, e assim seguimos para o local. Fofas. Todas muito educadas o caminho todo, comportadas, pensando na enorme quantidade de brigadeiro que iriamos comer e em qual filme de terror ia assustar mais a gente de madrugada. Quando chegamos na casa da menina fomos prontamente recebidas pela sua avó que naquele dia se dispôs a cozinhar pra nós, com muito carinho, feliz em nos ver lá, feliz em ver a neta feliz, como toda boa avó. 

Eu podia passar muito mais tempo descrevendo as frivolidades daquele dia, mas, não vou enrolar muito.

A merda começa quando depois do almoço a gente entende que o dinheiro que trouxemos ia servir pro irmão mais velho da B comprar as bebidas no mercado e com as sobras uma pizza - que seria nossa propina. As outras meninas tinham feito cuidadosamente uma lista de tudo que gostavam de beber e iam usar ela de base pra suprir nossa madrugada, pegaram gelo, chicletes ou balas que tirassem o hálito ruim, tudo pra tornar a quela noite a mais inesquecível. Se fosse só isso tava bom, mas aí eu não estaria escrevendo pra vocês. Eu, Sarah, com 14 anos, não estava preparada pela sequência de acontecimentos que estariam por vir, nunca tinha passado por nada igual e não conhecia ninguém que tivesse experienciado também.

A nossa tarde consistia em fazer uma série de coisas, Fazer os brigadeiros, cozinhar salsicha, fazer purê de batata, buscar colchões infláveis, comprar bebidas, e ficar de olho nas bebidas. Muitas tarefas, preparativos, muita animação e ansiedade, a festa ia ser perfeita e nada podia estragar aquele momento. Nada e nem ninguém... 

Ninguém. Que palavra engraçada. Ninguém me queria ali, ninguém ligava pra mim, ninguém se importava comigo e com os meus sentimentos, ninguém queria ser minha amiga, ninguém queria me ver sendo feliz, ninguém queria me deixar em paz, e muito provavelmente ninguém queria me ver viva no dia seguinte ou nos demais dias. Sei que disse que não ia enrolar, mas essa, sem sombra de dúvidas, é a história que mais me machuca até hoje e se eu não escrevesse absolutamente tudo que tá entalado aqui ia acabar surtando de novo. 

A merda começa a feder quando estamos nos preparando pra festa e a anfitriã explica como seria a questão do banho, pra ser rápido, e não atrasar a gente. É aí que eu me dou conta de que dava sim pra elas serem babacas comigo, não só dava, como foi isso que aconteceu. Uma filha da puta na ponta do quarto se sentiu no direito de me tirar do armário pra todo mundo que estava no quarto, seu dedo apontado em minha direção enquanto pronunciava que eu era sapatão sem nem se importar nas consequências daquele ato, ela nem sabia como faria minha vida um inferno. Nessa hora a aniversariante entra no quarto, escuta o que foi dito, e aos berros me manda fechar os olhos... 

"Fecha os olhos! Não quero você olhando pra mim!" 

E o que eu fiz? Eu fechei. Cobri meus olhos com as mãos enquanto sentia o peso nos meus ombros de ser diferente, enquanto sentia que aquela pequena informação seria capaz de coisas inimagináveis. E bom, não interessa mais o que aconteceu na festa, foi uma merda. Elas me trataram mal, trataram uma outra menina mal, porque é só isso que elas sabiam fazer, tratar os outros mal. 

Queria muito que essa tivesse sido o fim de tudo, mas não foi. Pelo restante do ano essas meninas fizeram questão de me constranger sempre que podiam, com piadas de cunho sexual, muitas piadas de cunho sexual que desse a entender que eu era a maior vagabunda suja do mundo, com todas as piadas e perguntas que dessem a entender que por eu ser lésbica era normal ser muito safada/ter um apetite sexual enorme. Faziam questão de me assediar todos os dias na escola com palavras rudes de todos os tipos, faziam questão de me afrontar porque elas deviam ser tão carentes de amor que ouvir "te amo amiga" vindo de uma lésbica era o equivalente a um flerte pesado. 

Tive mesmo uma noite inesquecível, mas a que custo?

Mas agora, eu repito a pergunta, será que se eu fosse um homem as pessoas iam me tratar melhor? Será que se em 2016, eu fosse um garoto, as meninas iam me tratar melhor? Será que elas iam gostar de mim? 

Falei muito sobre uma situação bem antiga até, mas ela tá aqui pra ilustrar que isso é uma situação frequente até hoje, e me assusta como as pessoas num geral continuam tratando lésbicas como se fossemos homens. A gente não tem vontade alguma de ser homem, não somos e nunca seremos iguais, a gente só quer paz e respeito. Eu não sou um homem. Sou uma mulher muito feminina, sensível, carinhosa, boba e que merece ser feliz. 

Aguentei muito quando mais nova, sofri demais, criei traumas que não vou curar tão cedo mesmo já fazendo quase 10 anos disso, mas hoje aos 22 decidi que nunca mais irei me calar. Todas as vezes que eu puder alertar uma pessoa do quão escrota ela foi, eu alertarei. Penso nisso por mim e por todas as pessoas que passam pela mesma situação, justamente as que não tem rede de apoio, que não tem voz e que se escondem por medo de sofrer lesbofobia novamente. 

Penso, logo existo, logo penso novamente, em como reverter os danos causados porque se um dia eu tive medo de apanhar, já não tenho mais. Uso minha voz e o dom da escrita pra contar esse monte de coisa pra vocês porque sei que essa é uma das formas de revolucionar, porque as palavras tem um poder absurdo e porque me tornei uma mulher mais forte do que posso imaginar. 

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

O mês da visibilidade lésbica devia ser todo dia

 Agosto. Mês da visibilidade lésbica. Sabe por que esse mês é importante para nós? Tudo começa em agosto de 1983 no Ferrero's Bar onde o lugar virou uma referência da comunidade lésbica no fim dos anos 60, basicamente o nosso Stonewall brasileiro. 

O mês todo é para celebração da luta de lésbicas que desde os princípios estão buscando por uma sociedade menos lesbofobica e agressiva, mas, o dia 29 é oficialmente o dia nacional da visibilidade lésbica. Se você é uma mulher que ama mulheres como eu, sinta-se muito bem vinda aqui, e espero que possa apreciar nosso papo. 

Acho ótimo ter uma comemoração no calendário, mas acredito que, todo dia é dia de visibilidade lésbica. Desde que tenho 13 anos venho me entendo na minha batalha pessoal a respeito da minha sexualidade e graças ao que tem na internet fui me entendendo aos poucos porém sei que ainda tem assuntos onde o conteúdo não é exatamente comentado e por esse e outros motivos gosto de frisar que o tempo todo devemos falar sobre nossa luta. No fim do dia somos somente nós por nós. Como já disse aqui, estou perto de completar 23 anos e mesmo tendo esse blog sei que não sou a mulher mais corajosa do mundo, que não estou perto de ser como as mulheres que dedicam sua vida a falar sobre como é se relacionar com mulheres, dupla maternidade, e afins. Mesmo sendo adulta com uma família que me ame não me sinto pronta para, por exemplo, postar um vídeo nas redes sociais que costumam viralizar.

Viver é caminhar pequenos passos todos os dias rumo a um propósito maior e espero que com as coisas que escrevo aqui eu possa ajudar alguém que esteja passando pelo mesmo. Se eu quiser continuar com o blog ou coisas do tipo, devo deixar exclusivamente para as batas que separam pra mim? Claro que não! Afinal, é parte de quem eu sou, é minha realidade e não posso mais deixar pedras no meu caminho me atrapalharem.

Durante muitos julhos eu sentia vontade de tomar partido e levantar a bandeira da comunidade na qual faço parte e durante esses mesmos julhos sempre ia postergando, até chegar aqui. Posso dizer que estou indo longe, mais do que a Sarah de 13 anos jamais imaginou. Imagine como é viver numa sociedade que não te estimule a assumir seu amor por mulheres pelo medo? Imagine viver trancada na sua própria sombra porque o mundo não foi feito pra mulheres como eu, como você, como muitas? Porra! Amar mulheres é lindo! Se durante toda minha vida eu tiver que lutar pela mulher que eu amo, farei com o maior sorriso no rosto, porque tenho muito orgulho de quem sou e de tudo que tenho conquistado.

Que nesse agosto, você mulher que ama mulheres, sinta-se acolhida na nossa comunidade e sinta-se aos poucos mais confortável para ser quem é. Não tem absolutamente nada de errado em amar mulheres. Não tem nada de errado em ser quem somos, e não se sinta sozinha, juntas somos mais fortes! 




Insight lésbico sobre poesia

  É domingo, 29/06/2025 e fazem alguns meses que eu só não postei nada porque estava ocupada vivendo fora das telas por um tempo até ter mai...