domingo, 23 de junho de 2024

O mundo não foi feito pra mim (e a culpa é minha por isso)

 Domingo, 23 de junho de 2024. Dia de ir a igreja. 

Desde que me entendo por gente convivo com o meio cristão/crente, por ter nascido em berço religioso, ser batizada, e congregar na mesma igreja há anos. Todos me viram crescer e continuam acompanhando minha trajetória como ser humano, todos esperam que eu seja a típica jovem "do senhor", fiel, devota, exemplo para os outros jovens por aí. 

Até aqui tudo certo, né? É... Não exatamente... Mas deixa eu explicar. Gosto de fidelidade, de devoção, monogamia, chame como quiser, mas isso passou a ser um problema pessoal quando me dei conta de que o mundo não foi feito pra mim e tudo isso pelo fato de eu ser lésbica. Podia até acabar de escrever aqui, tipo, já contei tudo, mas o assunto é mais tenso que isso. 

Para os leigos, batismo nas águas é uma coisa bastante importante pra quem é cristão, tal qual crisma aos católicos, é como se fosse o rito de passagem intelectual quando você passa a compreender as escrituras (bíblia) de um jeito mais sério e entende que agora você como pessoa está se entregando de corpo e alma para Jesus. É um evento importante na igreja e seus irmãos em cristo esperam ansiosos pelo dia do seu batismo pra te apoiarem com cartazes ou palavras legais, então quando se cresce num ambiente cheio de jovens a pressão acaba sendo grande. Líderes e amigos esperam poder ver tanto seu crescimento espiritual e pessoal, tipo te ver casar/formar família, esse tipo de coisa. Na minha igreja era comum o pessoal pedir pro pastor oficializar os casamentos por gostar muito dele e confiar como exemplo de líder religioso.

Mas aí vocês me perguntam, por que 'cê tá contando isso pra gente? Justamente porque hoje durante o culto me veio uma vontade muito grande de compartilhar aqui minha experiência sendo lésbica no meio religioso. É como se eu fosse a Hannah Montana. Loira famosa e morena comum? Não, lésbica feliz e lésbica infeliz pecadora que vai pro inferno. INFERNO. Que palavrinha infernal, literalmente... Aliás, deixar bem claro que esse relato não é uma crítica pra quem é religioso e gosta disso, não posso ser hipócrita, a igreja e meus colegas cristãos já me ajudaram em diversos momentos. É apenas um relato, sim, só isso, não é um pedido de socorro. 

Tive que dar esse contexto absurdo pra dizer que crescer ouvindo sobre os conceitos de céu e inferno acabam com sua cabeça, te desgraçam demais, porque até se você respirar errado pode ser que vá pro inferno. Os papos são um eterno show de horrores, pressão psicológica pra fazer você se sentir mal consigo mesmo a todo custo, já que ser diferente do jeito "bom" é uma dádiva e ser diferente do jeito "ruim" significa que seus pais falharam na sua criação. Afinal, como pode, a mocinha que era ativa na escola dominical, que sempre participava das apresentações, educada, gentil e feita aos olhos do pai um dia renegar sua essência para se juntar ao pecado da carne? Fornicação homossexual em troca de prazeres dessa geração perdida.

E aí... Nossa... E aí é a parte que me faz embrulhar o estômago, tremer, chorar, pedir perdão e implorar para que um dia Deus deixe eu ir pro céu. Culpa. Pouca culpa. Muita culpa. A culpa é minha. A culpa é da minha mãe. A culpa é do meu pai. A culpa é minha. EU SOU A CULPADA. Não existem culpados nessa equação. A culpa é claramente minha. A culpa sempre vai ser minha.

A culpa é claramente minha por estar trabalhando em terapia os conceitos de "se permita sentir atração" e "não se julgue tanto" quando isso me faz sentir vontade e olhar mulheres bonitas de famílias margarina com seus maridos amorosos e filhos abençoados e desejar um dia ser eu. A culpa é claramente minha por sentir atração (forçada) pelo filho adulto do pastor com apenas 12 anos na espera de que ele me de atenção porque assim meu único pecado seria "amar" um homem mais velho. A culpa é claramente minha por nascer assim e saber que eu vou morrer assim. 

De boca aberta ou fechada a culpa vai ser sempre minha porque o mundo não foi feito pra mim.     
Ele não foi feito pra uma mulher lésbica que sonha em casar, constituir família, educar filhos com amor e ensinar a respeitar a todos. 

A vida é uma rotatória, sou o centro, e em cada ponta tem: as pessoas querendo me condenar/me curar, Deus dizendo que me ama, e eu querendo arrancar meus cabelos porque isso deve doer menos que viver convivendo com a ideia de amar mulheres e me permitir perceber como as mulheres da minha igreja são lindas e mais lindas ainda demonstrando todo amor e carinho que sentem com seus filhos/maridos. 

Se amar é lindo, mas amar mulheres é pecado, então já nasci pecadora, e aí te pergunto. A culpa é minha ou de Deus por ter me feito assim? 

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