O título é bastante chavão, mas, com certeza essa história não é nada clichê.
Pessoas são diferentes e assim suas histórias também, por isso, te aconselho a pegar uma pipoca, um drink, e se ajeitar no sofá pra ler mais uma das muitas histórias que compartilho aqui.
Primeiro de tudo quero fazer um disclaimer de que se você mora em um ambiente hostil, é menor de idade, não tem estabilidade financeira ou sabe que sair do armário seria uma grande dor de cabeça, peço que espere. Sei como pode ser dolorido viver sem poder ser quem, sei também que a vida fora de casa também não é muito boa, mas a nossa casa devia ser um ambiente seguro e cheio de coisas boas — mesmo não sendo para todos. A sua saúde mental importa e a sua vida também. Um dia a liberdade vai chegar e quando chegar será muito compensadora, existe um futuro feliz pra todos nós.
Dito isso, seguimos para a história...
Bom, eu disse pra vocês numa outra postagem que tudo começou quando eu estava na escola, certo? Disse ter dúvidas e chegar a conversar com umas amigas da época, mas se fosse só isso tava bom, porque não bastava fofocar com amigos, tinha que tem aquele clichê de todo jovem. Buzzfeed. Am I gay? Quizur. Será que sou gay? De certo que todo mundo, ou quase, já se aventurou nesses sites tentando descobrir se um teste aleatório pudesse magicamente ajudar a sanar a grande dúvida das nossas cabecinhas. Pelo menos comigo foi assim e meio que não teve o efeito que eu esperava, se é que eu esperava alguma coisa, pois o teste não me disse nada revelador então tive que partir para uma fonte melhor.
Dos mesmos criadores de "será que sou gay" vem aí o "como saber se gosto de mulher". Mais testes? Não. Vídeos no YouTube, publicações duvidosas na internet e blogs cheios de palavras complicadas e confusas. Vale mencionar (um pequenino detalhe) que na época era 2013 e eu tinha 12 anos. Há 10 anos atrás as crianças e pré adolescentes ainda correspondiam com as suas respectivas idades e não estavam tão "adultizados" nesse meio de querer crescer antes da hora, então realmente a dúvida era muito grande, porque ninguém falava sobre namorar ou sentir atração pelos outros visto que isso era papo de adulto. Ainda mais sendo LGBT. Aí era papo de adulto e maluco. Não haviam referências em filme, séries, novelas, cantores ou mídias claras sobre o assunto, quando tinha era sempre com muito esteriótipo e agressividade para com os personagens e afins.
O mundo não sabia lidar com a comunidade LGBT num geral, e sim, mesmo com grandes ícones da música abertamente assumidos as pessoas não sabiam como lidar quando a realidade era conhecer alguém LGBT num geral. Nessa época, o mais "sáfico" que tínhamos na mídia era a música I Kissed a Girl da Katy Perry — me corrijam se eu estiver errada, e isso por si só já era algo grande pra época. Depois, em 2014, a emissora Globo trouxe pra gente a novela Em Família e o grandioso relacionamento da Clara (Giovanna Antonelli) e Marina (Tainá Muller) que foi sim uma grande conquista pra todas nós mulheres que amam mulheres, afinal, o casal tinha conversas frequentes sobre casamento, morar juntas, participação na vida escolar do filho sobre quem iria na reunião de pais, se iam juntas, se seria um problema duas mães irem buscar o filho na porta da escola. Era a primeira vez que lésbicas estavam sendo retratadas para além do profano, do errado, eram personagens retratadas como pessoas normais com vidas normais.
Olhando pra trás como uma viagem no tempo sinto que uma novela de horário nobre com um casal apaixonado de mulheres de fato fez um espécime de mágica na minha cabeça. Era a única coisa que eu tinha pra me agarrar, em especial porque duas atrizes lindas estavam fazendo essas personagens com tanta naturalidade e não pareciam se importar com o fato de ficar pra sempre marcado em suas carreiras, realmente me deixava feliz sem eu nem compreender como isso podia me fazer feliz.
Enquanto isso, eu tinha muitas dúvidas, acesso a internet e um computador. Apenas. Isso foi o suficiente pra me gerar a curiosidade de pesquisar no Google "como saber se gosto de mulher?". Lembro bem de abrir um site, provavelmente um blog, e ler relatos de mulheres mais velhas sobre o tópico e ficar confusa porque como uma criança iria se sentir representada aos relatos adultos? Eu com 12/13 anos e mulheres 20+ contando sobre sua vida exatamente como faço hoje em dia, e veja bem, que mesmo com 22 quase 23 ainda me sinto um pouquinho distante desses relatos e por isso decidi falar sobre mim e meio que criar meu legado.
Nem preciso dizer que essa ideia de pesquisar na internet me rendeu uma bela e edificante conversa com minha mãe #humor. Na época eu passava em terapia e pela primeira vez em muitas sessões tinha me sentido confortável pra expor algo que me incomodava, que era justamente essas dúvidas sobre relacionamentos homoafetivos, me abri com minha terapeuta, sem saber se seria a melhorou pior das decisões, mas com certeza alguma decisão a se tomar. Numa determinada sessão a gente decidiu chamar minha mãe pra conversar sobre alguma coisa que eu não lembro, nada haver com o tópico dessa postagem, mas que depois virou, porque a cara de horror nos olhos da minha mãe em relatar que tinha lido meu histórico da internet e que "zelava pela minha vida pois um dia Jesus voltaria e ela gostaria que eu fosse para o céu". O papinho clássico de tacar o terror na minha vida para que, TALVEZ, surtisse efeito.
Eu em completo choque, a psicóloga meio que ao meu favor e meio de intermédio, e minha mãe horrorizada. Não tenho muito o que dizer a respeito.
Depois desse dia o assunto "gostar de mulher" não foi mais mencionado por aqui, era o nosso Voldemort, tudo e qualquer coisa a respeito disso era passivo de discussões sobre como a minha mãe morria de medo da opinião dos outros, em especial do pessoal da igreja, e esperava que eu sentisse medo igual e eventualmente parasse de ser quem eu era pra caber numa caixinha apertada e empoeirada, o armário. E assim foi feito. A sensação que ficava era de ser silenciada, não poder contar com absolutamente ninguém pra sanar as dúvidas, nem mesmo com a terapeuta (por motivos pessoais que não cabem aqui).
Isso foi o suficiente pra eu me calar sobre e um tempo depois passar a pensar que a bissexualidade era uma "opção" a ser escolhida, me permitia beijar meninas e com a graça de Deus arrumar um homem lindo que me fizesse a futuro esposa mais feliz do mundo
Vou fazer uma pequena observação de que a bissexualidade, assim como todas as outras sexualidades, não é uma escolha e muito menos uma fase. É comum que mulheres lésbicas se agarrem no rótulo bi por conta da heterossexualidade compulsória que é nada mais nada menos do que a sensação de que deve ser hétero porque é "o certo".
Passei os próximos anos da escola tentando me apaixonar ou sentir qualquer coisa pelos meninos, do mesmo jeito que fazia como quando estava ""afim"" do menino bagunceiro. Cada menino que olhava pra mim, que sorria, que elogiava qualquer pequeno detalhe em mim era alvo pra minha, se é que podemos chamar assim, pesquisa científica sobre o amor jovem, toda migalha de atenção me fazia sentir alguma coisa esquisita no peito e aí eu ia lá beijar meninos, dar trela pros meninos, engajar conversas e achar certo sofrer na mão deles porque supostamente isso era o cainho certo. A homofobia que sofria todos os dias na escola também era outro principal fatos pra que eu me agarrasse em qualquer coisa que os garotos tinham a me oferecer.
Passei alguns anos me forçando a acreditar que era bissexual pra na pandemia, a temida pandemia, estar em um relacionamento com uma menina (um beijo Wallflower!!) e por ela, pela ideia de talvez formar um futuro ao lado dela, me sentir um pouquinho confiante pra sair do armário.
Essa era a primeira vez em anos que minha boca conseguiu tocar no assunto e pensar em como fazer.
6 de setembro de 2021, faltava uma semana pro meu aniversário, eu estava passado com um psiquiatra na época - um bem idiota, diga-se de passagem, que pela primeira e única vez me ajudou com alguma coisa. Foi dentro de um consultório psiquiátrico com quase 20 anos que eu disse com todas letras 'MÃE, EU SOU LESBICA!'. Claro que o discurso foi muito mais que isso, passei pelo menos uns 40 minutos falando, falando e falando.
Disse que me sentia sufocada em saber de uma verdade há um tempo e sentir medo de viver na minha própria casa, medo de ser expulsa do meu lar, de não ser mais amada, medo das pessoas ao redor usarem esse fato pra destilarem ódio contra minha mãe, disse também que podia ser um segredo nosso, ninguém da igreja ou família ficaria sabendo, e no fim... No fim aconteceu o que eu menos esperava. Fui surpreendida com um abraço apertado, daqueles bem apertado mesmo, palavras doces de consolo e muito, muito carinho.
Ouvi minha mãe dizer que já sabia, como sempre soube, que de fato tinha medo pelo que o outros podiam fazer comigo, mas acima de tudo, disse que nunca ia deixar de me amar.. Ela NUNCA IA DEIXAR DE ME AMAR.
Foi naquele dia, com a cara feia daquele psiquiatra, cheia de medo, que eu assumi pela primeira vez a palavra lésbica na minha vida e assumi pra mim mesma que nunca ia existir homem algum capaz de me fazer feliz, porque eu simplesmente não sinto atração alguma por eles.
Depois de um tempo acabei saindo do armário para alguns familiares, mas aí a história é bem menos complicada, e caso alguém tenha curiosidade posso contar num comentário ou fazer um post bem curtinho sobre :)
A história em si é bem feliz, mas o triste mesmo é saber que precisei me colocar em diversas situações terríveis pra tentar me "concertar" e encaixar num mundo que não foi feito pra mim, sendo que ali do lado tinha uma porta cheinha de esperança.
Sei que pra muitos a vida não é assim, e sinto muito caso você esteja lendo isso e se sinta num buraco negro, mas quero que saiba que sempre há uma oportunidade para a felicidade nos encontrar. Ela pode até demorar um pouco, mas sempre vem!